02 agosto 2006

No entando não se pode matar um morto.

Esperei aquele homem antes que tivesse um nome, um rosto, quando não era mais do que a minha longínqua infelicidade.
Não olhei os homens a não ser como se olham os passantes diante do guiché de uma estação, a fim de termos a certeza de que não são aquilo que esperamos.
Foi por ele que a minha ama me enfaixou ao sair da minha mãe; foi para fazer as contas de ser lar de homem rico que aprendi o cálculo na ardósia da escola. Para pavimentar a estrada onde se pousaria talvez o pé desse desconhecido que faria de mim sua serva, teci lençóis e estandartes de ouro; à força de aplicação, deixei cair aqui e ali, sobre o tecido macio, algumas gotas do meu sangue.
Consenti em fundir-me no seu destino, como um fruto na boca, para não lhe trazer senão a sensação de felicidade.
Vós não o conhecestes senão engrandecido pela glória, epécie de enorme ídolo gasto pelas carícias das mulheres asiáticas. Apenas eu o frequentei na sua época de deus. Era-me doce, sobrecarregada com o peso da semente humana, pousar as mãos sobre o meu ventre espesso onde cresciam os meus filhos. À noite, de regresso da caça, lançava-me com alegria contra o seu peito de ouro. Mas os homens não são feitos para passar toda a cida a aquecer as mãos na fogueira de um mesmo lar: ele partiu para novas conquistas, e deixou-me ali como uma casa vazia cheia do bater de um grande relógio.
O tempo passado longe dele corria sem emprego, gota a gota ou por torrentes, como sangue perdido, deixando-me em cada dia mais empobrecida de futuro.
Os anos seguiam-se ao longo das ruas desertas como uma procissão de viúvas; a praça da aldeia estava negra de mulheres de luto. Eu invejava essas infelizes o não terem senão a terra por rival, e de saberem pelo menos que o seu homem dormia sozinho.
Substituia-me pouco a pouco ao homem que me fazia falta e pelo qual estava possuída.
Infiel áquele homem, imitava-o ainda.
Não há senão um homem no mundo: o resto não é para uma mulher senão um erro ou um triste mal menor. E o adultério não é muitas vezes mais do que uma forma desesperada de fidelidade. Se enganei alguém foi esse pobre Egisto. Tinha necessidade dele para saber até que ponto aquele que eu amava era insubstituivel.

M.Y.

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