"Como não cabem as anedotas da infância, que já não têm graça nenhuma. Como não cabe nada do que já não sou eu. Não discuto, irra, não discuto! Sei lá porque é que uma anedota de que ri não tem hoje graça nenhuma! Sei só que a não tem.
E, todavia, pesa-me como uma pata de violência a realidade da pessoa que somos. Há muita coisa a arrumar, a harmonizar, muita coisa ainda a morrer. Mas por enquanto está viva. Por enquanto sinto a evidência de que sou eu que me habito, de que vivo, de que sou uma entidade, uma presença total, uma necessidade do que existe, porque só há eu a existir, porque eu estou aqui, arre!, estou aqui, EU, este vulcão sem começo nem fim, só actividade, só estar sendo, EU, esta obscura e incandescente e fascinante e terrivel presença que está atrás de tudo o que digo e faço e vejo - e onde se perde e esquece. EU! Ora este «eu» é para morrer."
VF
O passado parece hoje tão distante. Uma noite que se dividiu em duas, e uma vida que se desfragmentou e não sabe mais voltar à unidade.
Havia dantes aquela sensação de que existiam duas entidades dentro de mim, e que disputavam pelo mesmo ser. Sei qual delas quereria vencer. A mais triste, mais incapaz, mais insegura. Porém o ser não deixa de me surpreender. Cada vez mais nos extremos da irracionalidade, a entidade póstoma tem força para prevalecer. Existe nela uma energia, uma vivacidade dominante. Existe vida. E é ela que vai viver. Após a morte do ser, será essa segunda entidade que dominará o corpo. E existência será por isso mais simples e mais pura.
Esse corpo que mereceria o sofrimento, supera a dureza das palavras, dessas pedras frias e mortas que despedaçam a consciência dos momentos.
O ser renasce, a entidade renova-se, o corpo purifica-se, a palavra é aniquilada.
23 abril 2006
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